No depoimento abaixo, feito por uma paciente, vocês entenderão o quanto é difícil se perceber num relacionamento abusivo, isso acontece porque o narcisista não é ruim o tempo todo. Ele confunde a vítima, fazendo-a duvidar de suas percepções. Mas vale ressaltar que, mesmo nos momentos de suposta bondade do narcisista, há sempre um interesse incutido em suas ações.
No início do relacionamento comporta-se como um príncipe de cavalo branco, tem facilidade de detectar na vítima todos os seus anseios e não mede esforços para satisfazê-los.
Com toda essa dedicação a vítima fica complemente rendida aos encantos do falso príncipe, mas quando ele percebe que já tem domínio emocional sobre a vítima, inicia-se a fase do “tudo é para mim”.
Então, toda aquela dedicação inicial se esvai, a partir de agora o centro das atenções é ele. Usa toda sua capacidade de manipulação para dominar e controlar a vítima para que essa atenda às suas necessidades.
No caso abaixo, quando a filha nasceu e a vítima não teve mais condições de atender prontamente as demandas do seu companheiro narcisista, iniciou-se o processo de desvalorização, inúmeras cobranças e a culpabilização da vítima pelo desgaste do relacionamento.
O depoimento foi escrito por minha paciente que também psicóloga. O objetivo deste é mostrar que qualquer um está sujeito a cair nas armadilhas de um narcisista.
Aqui estamos nos referindo ao narcisista do sexo masculino, mas quero deixar claro que esse transtorno independe do gênero. Existem homens e mulheres narcisistas.
DEPOIMENTO
O meu casamento dos sonhos se transformou em um pesadelo
Levei muitos meses para aceitar o fato de que ele era narcisista. Tive o casamento dos sonhos, o namoro dos sonhos, romantismo, cavalheirismo. Tudo parecia perfeito. Mas toda essa magia caiu por terra quando nossa filha nasceu.
Ele queria a minha atenção e cuidados só para ele, mas já não havia mais espaço para essa exclusividade. Afinal, tínhamos uma recém-nascida para cuidar.
Aos poucos eu fui percebendo que ele tinha muita dificuldade de cuidar da nossa filha. Ele convenientemente “esquecia” de dar banho, de trocar a fralda, inclusive de alimentá-la. “Como um pai pode esquecer de alimentar uma filha?”, eu questionava em terapia…
As atitudes dele não pareciam ter maldade, não pareciam ser intencionais, mas era uma total falta de empatia do que eu e minha filha precisávamos.
Foi difícil aceitar que eu estava me relacionando com um narcisista, pois os sintomas apareciam de uma forma sutil. Ele não confrontava diretamente, apenas me dava as costas, pois era grandioso demais para entrar em uma discussão.
Ele não me chamava de louca, mas dizia com frequência: “isso é coisa da sua cabeça” ou “lá vem você inventando história de novo”. Aliás, qualquer sinal de emoção da minha parte era considerado exagero por ele.
Mestre em inverter o jogo, as discussões acabavam comigo pedindo desculpas por reclamar de coisas que ele havia feito.
Além disso, meus ganhos financeiros eram usados para sustentar nossa casa e nossa filha, mas o dinheiro dele era usado exclusivamente para os seus gastos.
As tarefas domésticas eram deixadas para mim e caso eu quisesse dividir ele mentia que já havia feito ou ele postergava por semanas até eu me cansar e acabar fazendo sozinha.
A sensação era de ter uma criança revoltada e mimada morando comigo. Não de um parceiro como deveria ser num casamento.
Custei a admitir que eu havia aceitado essas características no início da nossa relação em nome de “dar certo”.
E até hoje me pergunto como não percebi antes a frieza emocional, o desprezo aos meus sentimentos, a indiferença na relação. Os holofotes e a atenção eram voltados para satisfazer as necessidades dele, mas nunca as minhas. Eu engolia tudo isso e colocava um sorriso no rosto. Afinal, qual relacionamento não tem problemas?
Lembro-me de dizer em terapia que tinha a sensação de estar ficando louca, porque “as minhas lembranças não condiziam com a realidade”.
Eu relatava eventos que colocavam a mim e a minha filha em risco, como um quase acidente de carro causado pela imprudência do meu parceiro ao cortar a frente de um carro em alta velocidade, isso aconteceu em um de seus momentos de frieza por não ter suas demandas atendidas. Este evento foi negado no mesmo dia por ele, dizendo que aquilo não havia acontecido e que eu estava inventando apenas com a intenção de humilhá-lo.
Eu me sentia como se estivesse num sonho, já não sabia mais o que era realidade. “Será mesmo que isso não aconteceu? Será que eu exagerei? Eu devo estar exagerando mesmo…”.
A psicóloga Nilda Carvalho foi muito cautelosa em me explicar que eu sofria de gaslighting. Um tipo de manipulação que faz a pessoa duvidar daquilo que vivenciou, quando o narcisista nega veementemente que disse ou fez tais coisas. Isso faz com que você questione a sua sanidade mental, se está lembrando corretamente ou não.
Além disso, o narcisista usa a distorção da realidade como forma de se proteger, para não se sentir falho ou culpado pelo que fez.
A verdade do narcisista é essa: ele quer ser amado, mas não consegue amar. Ele quer ser cuidado, mas não quer cuidar. Ele está com você por aquilo que você pode proporcionar a ele. Ele espera que você o sirva, mas ele não quer compartilhar. E se você reclamar, você está louco, descontrolado, exagerando (ou pior).
Não espere ser valorizado, não espere reconhecimento ou reciprocidade. O narcisista não sabe amar, ele pensa que o mundo deve servir aos seus desejos e que ele não precisa retribuir, tudo é para ele. Um prato cheio para pessoas que se colocam em posição de submissão, que costumam se sacrificar pelo bem-estar dos outros, que se dedicam demais, assim como eu.
Enfim, precisei de mais de 1 ano de terapia para conseguir me libertar desse relacionamento que me fazia tanto mal. Tive que fazer o luto por um casamento que só existia idealizado na minha mente. Precisei entender e curar o que existia em mim e que me ligava a esse tipo de pessoa e me mantinha presa nesse tipo de relação.
Hoje eu me sinto como se tivesse acordado depois de um longo tempo adormecida. A vida voltou a ter cor, eu voltei a sorrir, voltei a ser quem eu era. E eu sou muito grata as pessoas que atravessaram meu caminho e me estenderam a mão para sair desse buraco.
E agora eu sigo em frente, com a cabeça erguida e a certeza de que essa experiência me tornou uma pessoa melhor, mas dessa vez, melhor para mim mesma. Com o olhar voltado para mim, para as minhas necessidades, o que era justamente aquilo que me faltava.
Att,
Natália Arnold
Psicóloga Clínica
Nesse caso podemos perceber o requinte das ações do narcisista. Alguns tem atitudes mais grosseiras, outros são mais sutis, mas todos tem o mesmo objetivo: fazer com que a vítima seja suplemento de suas demandas, o sirva o tempo todo.
Quero agradecer e parabenizar a Natalia pela coragem e altruísmo em falar de sua história. Sinto-me honrada de fazer parte do seu processo de libertação desta prisão emocional.
Se você que está lendo esse texto está em um relacionamento abusivo, busque ajuda e saia deste padrão de esquecimento de si. É possível se resgatar, tomar posse de si e desenvolver autoconfiança.
Liberte-se dessa prisão emocional.
Cuide-se. Invista em você.
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